9.21.2009

Acontecimentos do Catano - O dia em que eu ganhei cascos

Dia 21 de Setembro de 2009, o dia em que me tornei besta experimental da praxe da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, praxe de LLM, curso oficial de Línguas, Literaturas e Culturas.
Ás oito e trinta da manhã, uma mancha negra entrou-me pelos olhos dentro, ferindo-os e tatuando uma imagem que nunca sairá das paredes da minha caixa craniana. Emoldurado que nem tatuagem numa loja onde se faz as ditas cujas, ou então tipo catálogo, onde o pessoal pode escolher aqui... ok, acho que já se percebeu. Sim, eram doutores e veteranos, ansiosos pela chegada de putos novinhos para praxar com o maior dos gozos. Passei por eles e assustadoramente nenhum deles me abordou.

-Inês!

Rodei a cabeça muito lentamente, que nem cena em slow-motion num filme foleiro de adolescentes de domingo à tarde.

-Anda, estamos com um.... DOUTOR!

Os meus folículos pilosos fizeram por eriçar todos os meus pelos. Não, não era frio, era o chamamento que eu mais temia, o chamamento para o duro, frio e desumano caminho da PRAXE! Aquela palavra entrara pelos meus canais auditivos como adagas, mas muito pequeninas, porque eu não sou o Dumbo, tenho orelhas de tamanho normal.
Segui, segui com um ingénuo e indefeso grupo de meninas, sempre atrás de um Doutor, até ao seu covil, onde se encontravam os restantes membros maçónicos que nos iriam receber e usar da forma como bem entenderem. Para meu espanto, mandaram-nos ir para as aulas e retornar ao local da chacina.

Primeira aula-Auditório 2, Espanhol:
Professora simpática, espanhola, a viver em Braga.

À porta, já nos esperavam morcegos sedentos de sangue novo, mais uma vez para nos encaminha até outros tantos morcegos. Dirigiram-nos pelas catacumbas do seu covil para uma das plataformas de tortura. Ensinaram-nos a saudar Doutores e Veteranos, a posição de caloiro,... Aprendemos ainda que caloiros não tem mãozinhas, tem cascos. E andam sempre dois a dois, de casco dado. Após uns quantos ensinamentos e uns minutinhos de tortura, dirigiram-nos até à BANHEIRA. Um espaço pequeno onde depositaram mais de 100 caloiros. Após imitar galinhas, pipocas e outra coisa qualquer com imensa piada que não me ocorre de momento, madaram-nos sentar no chão, tarefa impossivel aos olhos de quem por ali passasse, e de facto foi. Toda a gente se sentou no chão, menos eu, que fiquei em cima das minhas próprias pernas, com gente em cima. Ou seja, para além do meu próprio peso, tinha ainda em cima, o peso de mais dois traseiros alheios (que eu julgo pertencerem a um humano). Aguentei bem mais do que meia hora em cima de mim mesma, até que cedi... Verti uma lágrima de sofrimento, acompanhada com uma expressão de sufoco, que resultou no estender de mão de um elemento da comunidade de negro. Funcionou como uma espécie de luz de chamamento a criaturas do escuro. Estranhei, desconfiei, mas a minha dor era tal que estendi a minha mão também, na direcção daquela outra que me parecia tão traiçoeira.
Fui resgatada daquela banheira que aos meus olhos surgia como sendo um cruel oceano que, a pouco e pouco mais me afastava da vida.

-Que se passa? Sentes-te mal?

Curioso. Não berraram, não enxovalharam...

-Senta-te. Queres alguma coisa? Água, um lenço... O que te doi?
-As pernas. Não sinto as pernas.


Tudo isto sempre de cabeça baixada. Quando, finalmente, ganho atrevimento para a levantar, vejo-me rodeada de Doutores.

-Levanta-te e roda os tornozelos. Eu sei que doí, mas é melhor assim.

Uau.. Um senhor Doutor simpático.

-De que curso és?
-LLC.
-Em praxe és de LLM. Eu sei que isso custa. Vou só ali e já volto para ver como estás.

Rapidamente, uma outra Doutora conduz-me para uns degraus e pergunta se ainda me doem as pernas. Naquele momento a dor já se tinha desvanecido. Apenas sentia um formigueiro incomodativo. De imediato, ela e outra Doutora começam a massajar-me as pernas, na tentativa de as devolver ao mundo dos ressuscitados, ao lado de Jesus Cristo e Lili Caneças, sim, porque as minhas pernas morreram do joelho para baixo.

Senti-me acolhida por entre capas e trajes. Foi naquele momento que decidi: quero ser praxada.

Enquanto eu me recompunha, um senhor que fora identificado como o Cavaco Silva das FLUP, ou Dux-Facultis da FLUP, declamava algo que, devido ao meu débil estado não tive o prazer de ouvir.

Hora de Almoço.

Segunda aula-sala 106, Latim:
Professor enfadonho, bem melhor para dormir do que Xanax, no entanto, esforça-se por fazer entender.

Mais uma vez, membros da comunidade de negro nos esperavam à porta. Guiaram-nos para um local sombrio, por entre paredes de pedra, rudes e geladas, com janela aberta para o Rui Douro. Paisagem bela demais para o terror vivido por aqueles corredores. Chegados ao local, fui abordada por um Veterano que já tinha conhecimento do triste episódio, protagonizado pela minha pessoa na banheira. Aliás, todos eles já sabiam. A praxe é pior do que os cabeleireiros, no que diz respeito ao circular de informações...
Teatro era o que nos esperava. Por entre Borats, Noddys Emo, Michael Jackssons ressuscitados e Nelminhas, surgiram estas duas músicas: , , conhecidissimas do público nacional.
Mais uma vez dispensados, mais uma aula.

Terceira aula - sala 101 - Metodologia dos estudos literários de Português:
Professora cativante para uns, entediante para quem não tem hábitos de leitura e quem seja um pouco pobre em termos culturais. Muitíssimo interessante, a meu ver.

Saída da sala, mais uma vez acompanhada por doutoras que nos conduziram ao tenebroso local onde tínhamos estado anteriormente. Pedimos à Doutora dispensa da praxe. Aquela era a nossa última aula e havia greve dos transportes públicos do Porto. Ela compreendeu, mas encarregou tal responsabilidade para um outro doutor. Solicitamos dispensa, que nos foi concedida quase de imediato.

Nunca ver um autocarro me fez tão feliz. Adeus arena de touros disfarçada! Até, até...amanhã?? OH NÃO! MAIS?

23 Jeitoso(s):

Editor deste blogue disse...

Hehe, li o teu texto com especial atenção! Eu não fui praxado no Porto mas sim na Guarda mas por acaso gostei! é mau ao principio mas depois vamo-nos conhecendo e ficando amigos dos próprios "doutores", pelo menos lá era assim!

Boa sorte Inês e espero que não abusem... Bjos

Canetas disse...

O principio não custa nada, mas depois cansa pk é sempre a mesma merda. É cansativo para nós e para os doutores. E eu que vou sofrer praxes pelo segundo ano consecutivo....ai ai

Rosie disse...

bem, eu nunca fui praxada, mas até gostava :P

ao menos calhou-te, na situaçao, um doutor simpatico :)

Benfiquista disse...

Hmm...uma maravilha daquelas claro está ehehe

Força aí!

Anónimo disse...

AH AH AH, o espírito caloiro. :D
(eu cá estou ansiosaaaaa! já ouvi com cada história.)
- tu safaste-te. mas mais dias virão. x) Good luck!

Unknown disse...

Como eu adoro os teus textos. Brilhante. Partes cómicas, brutais. Parabéns, Inês. :)

E boa sorte para os restantes dias de praxe! ;) bjinho********

Emma disse...

QUE DIA INÊS! xD ainda temos muitoo mais pela frente ahah

Bloguótico disse...

LOOL... espero que o dia de hoje com os "morcegos" tenha sido mais calmo! Boa sorte com eles... e com o curso, claro! Aproveita! :D

C' disse...

Eu sempre quis ser praxada.. é so mais este ano :P
mas só de pensar q posso ir pa universidade onde o meu ex anda... arrepia um bucado, visto q ele me poderá praxar, e eu ja ouvi muitas coisas daquela coisa :P, a serio q assusta, mas nada me vai tirar o gozo de ver a cara dle se for pra lá :P

bjinhos ^^

C' disse...

Eu sempre quis ser praxada.. é so mais este ano :P
mas só de pensar q posso ir pa universidade onde o meu ex anda... arrepia um bucado, visto q ele me poderá praxar, e eu ja ouvi muitas coisas daquela coisa :P, a serio q assusta, mas nada me vai tirar o gozo de ver a cara dle se for pra lá :P

bjinhos ^^

Catarina Valadas disse...

"Eles comem tudo e não deixam nada"
:D

Unknown disse...

A Praxe sempre que é levada na desportiva, não custa nada! E a melhor forma dos doutores não te chatearem é precisamente fazer o que te mandam, sem reclamares!

Podes sempre mandar umas "palavras" dóceis para o ar, tal como eu fazia, pode é correr mal :D

Diverte-te na praxe! Podes crer que é das poucas coisas de jeito que fazes na tua vida académica para além do curso, isto se gostares do curso, que é o que se deve passar!

Parabéns pela a entrada na FLUP!

Ritinha disse...

no fundo no fundo as praxes por aqui (FFUC) até são fixes... tirando a nocturna que foi um bocado assustadora e que me fez fugir de lá msm antes de ter sido praxada kakaka

beijinho

Benfiquista disse...

Parabens pela entrada aí!

Confesso que mal vi o titulo deste post desmanchei me a rir, uma vez que a palavra ' cascos' é bastante utilizada por mim eheheh

(Alias tu mesma em certas conversas comigo já te apercebeste disso certamente lol ^^)

Unknown disse...

Daqui a uns tempos vais rir-te de tudo isso, vais ver, mas eu sei que custa. No dia da minha praxe quando cheguei a casa estive quase uma hora debaixo do chuveiro a tirar porcaria do cabelo e afins, foi horrivel, mas vinguei-me nos anos seguintes. Acho k o espirito de praxe é assim, infelizmente :O(

Força, bjs

Malinha disse...

As minhas praxes também foram muito giras, vais ver que ao longo do curso vais ter muitos acontecimentos para mais tarde recordar...(agora parecia uma velha a falar...LOLOL ;p)
bjs

Boas aulinhas!!:))

L!NGU@$ disse...

A praxe é ou não é o melhor do ensino superior? Quando acabar, vais perceber que sim.

entrelinhas. disse...

ahahah vida nova :b

beijinho

Anónimo disse...

Isso até que deve ser divertido. Vai apontando ideias para daqui a um ou dois anos fazeres o mesmo a outros caloiros que virão!

Táxi Pluvioso disse...

O que eu sempre disse, os estudantes universitários são uns idiotas, pior que o liceu, porque têm mania que são espertos.

E quando os adultos, os "professores" lol lol lol lol não consigo parar de rir quando escrevo esta palavra, entram nas mariquices dos estudantes algo está mesmo mal no ensino.

Parisiense disse...

Por mim as praxes da forma que são feitas deveriam ser proibidas.
São verdadeiros animais ( sem querer ofender os animais que são mais civilizados )a tentar mostrar o que tem.....ignorância, estupidez e arrogância.

Conheci praxes que eram sim a integração de um caloiro num novo mundo e que dignificavam a faculdade para onde se ia.
Agora só denegrirem a imagem da faculdade onde se encontram.
E doutores de quê???? De burrice e estupidez??

Não há cú que aguente tanta ignorância.

Beijokitas

izzie disse...

E se eu te disser que sou tua veterana e tal?... Medo? ME-DO?! MUAHAHAH!

Relaxa. Vim só deixar um beijinho e força... porque sim... lembraste-me o que eu andei a pensar há uns 6 anitos atrás. E é giro.
Vais ver... vive estes dias, este ano, esta experiência de coração, com divertimento e sempre fiel a ti. Vai valer a pena.

E sim... LLM é sempre LLM... tal como JCC não pode deixar de o ser... só porque soa mal :|

Beijinho e Maria Amélia ;)

ClaudiaSilva disse...

Ai inês nao me perguntes como descobri este teu blog, mas aqui estou e li este nosso primeiro dia de praxe...Ai parece que já foi há tanto tempo, que saudades.
epah tu descreves tudo ao promenor, muito bem, deu para sentir o momento...
já passaram 4 meses daquele primeiro dia que foi tao diferente para nós e tao cheio de emoçoes...
Aposto que agora ja nao dizes "ha e tal praxe ate manha" cheia de medo, mas sim cehia de vontade que a noite passe depressa....
Antes tinha uma ideia disto tudo que agora vivemos tao diferente, mas agora, agora ja nao sei viver sem aquilo. como já ouvi dizer:"Dizem que para quem não acredita nenhuma explicação é possível e para quem acredita nenhuma explicação é necessária. Talvez seja isso que acontece com a praxe, para quem não a vive é Inconcebível, mas para quem a vive é incontestável." e é bem verdade.
Sou caloira e epah sou com muito orgulho e principalmente orgulho dos meus doutores e veteranos que nunca pensei encontrar "pessoas" nesses lugares, mas sim umas criaturas prontas a matar-nos a qualquer momentos. Sim, são humanos e com um grande coração apesar de nos fazerem sofrer tanto.
só uma coisa: amei o teu texto

LLM<3