Acontecimentos do Catano - ... #1

Uma semana antes desse fatídico dia em que o jantar em família seria o ponto alto, algo abalou os poucos planos que tínhamos delineados para o dia de Natal. Aquilo que à primeira vista foi diagnosticado como uma crise de fígado era afinal uma pneumonia aliada a uma outra infecção que nunca cheguei a saber de que se tratava ao certo. O meu irmão, que tinha feito 13 anos há poucos dias, entrou pelas portas do hospital, mas até à data ainda não as cruzou em sentido oposto.

Eu nunca dei muita importância ao Natal, mas não sei porque razão este ano uma vontade imensa de embrulhar presentes e tratar dos preparativos empolgou-me para esta data festiva, que em minha casa ainda não se festejou. O meu irmão e a minha mãe passaram Natal e Ano Novo numa triste sala, acompanhados de outras crianças em circunstâncias semelhantes, cuja família deverá sentir uma dor semelhante à minha. Isto talvez fosse mais fácil de superar se eu pudesse visita-lo, mas as idiotas políticas do hospital apenas permitem a visita dos pais, ou "acompanhamento" como lhes chamam.

Após a remoção da estranha infecção, foi-lhe colocado um dispositivo a sangue frio, que provocava dores lancinantes ao mínimo movimento, com o objectivo de drenar os líquidos acumulados nos pulmões, e quando esse mesmo dispositivo lhe foi retirado toda a gente pensava que iria ter alta nos dias consequentes, mas tal não aconteceu. Uma TAC acusou a existência de ainda mais líquido nos pulmões e uma segunda intervenção era mais do que certa. Assim foi, hoje o meu irmão foi operado pela segunda vez e este é o meu 15º dia sem o ver, sem brincar com os caracóis dele, sem o ouvir dizer que eu "cheiro a presunto" (sabe-se lá porquê) e sem o ouvir perguntar "posso-te contemplar?" em tom de gozo, ficando os seguintes segundos a olhar para mim, à espera que eu solte um grito.
Muitas prendas ficaram por entregar, outras por comprar. Esqueci-me de mim a uma dada altura e tornei-me um infeliz autómato. Devo muito a todos aqueles que me tem dado força e que se preocupam comigo e com a minha família. A todos os que enviam sms's e mensagens nas redes sociais. A quem ainda me tenta tirar de casa para me oferecer um sorriso sem esperar nada em retorno.
Ao fim de duas semanas sinto-me de rastos, chegando ao ponto de não me conseguir concentrar minimamente no estudo para os exames, que já começam esta semana que vem, e cansada, já que cá em casa continua a haver vida e tenho suportado todas as tarefas domésticas sozinha. No entanto, a esperança de ter o meu Natal adiado para os Reis e de poder abraçar de novo o meu doentinho, não me deixam desistir nem baixar a cabeça. As prendas lá terão que ficar debaixo da árvore mais uns dias...